Precisei de alguns dias de
introspecção para digerir o que significou a visita que fiz na última sexta
feira, dia 29 de agosto de 2014 ao espaço do sr. Edir Macedo. Com a expectativa
única de estudo, compareci no dia e hora marcados na credencial (uma fita
colorida de papel colado no pulso) na Av. Celso Garcia, 605, Brás / Centro de
São Paulo.
Para adentrar é necessário
passar por detectores de metal que acendem uma luz vermelha, como nas entradas
de estabelecimentos bancários. Logo se aproxima a segurança (mulher para
revistar mulheres, homem para revistar homens) com luvas pretas e disposta a
encontrar qualquer item que pudesse me incriminar e impedir minha entrada:
“Chicletes, cigarro, isqueiro, drogas??” “Não, nada disso. Só tenho minha
identidade e meu celular.” “Então desce por aquelas escadas, coloque o celular
no armário, tranque, tire a chave e volte! Nada de celular nem câmera. Chicletes também não pode.” “Sim
senhora.”
De volta ao detector de
metal, fui liberada. Mais à frente me questionaram sobre a credencial: “Cadê
sua pulseira?” “Não está colando, acho que rasguei quando fui tirar o adesivo.”
“Entre assim mesmo...” Coxos, cadeirantes, muletantes... todos são obrigados a
esse rito.
Na minha igreja local,
entramos como estamos: com bolsa ou sem, com chicletes ou balas, com chaves ou
sem. Nunca fui questionada sobre o que carregava na bolsa. Isso só me aconteceu
em agência bancária.
O prédio é suntuoso. Muito
grande mesmo!
As escadarias são largas e a
iluminação me fez lembrar o Coliseu, monumento que visitei em Roma. Exceto por
um detalhe: alto falantes anunciavam com voz feminina, quase angelical: “Não
entre no templo conversando. Ao entrar no templo, entre em espírito de oração”.
As cinco portas de acesso
(enormes e douradas) são “guardadas” por “pastores”, devidamente engravatados,
com túnicas brancas com aplique dourado na gola e o logo tipo do local bordado
(também em dourado) do lado esquerdo do peito. A faixa dourada na cintura lhes
imprimia postura ereta. Pelo menos uns dez homens com essa vestimenta.
Uma vez lá dentro, outras dez
mulheres com as mesmas túnicas douradas devidamente bordadas nas golas e no
peito, com faixas douradas, elegantes sapatos dourados e simpáticas presilhas
douradas nos cabelos (penteados com rabo de cavalo) posicionavam-se nos
corredores, indicando o local para assento. Não é permitido sentar-se em
qualquer lugar. Você é encaminhado sempre para os lugares na frente. Caso tente
adentrar em um dos corredores, é questionado por qual motivo quer entrar.
Nos telões posicionados do
lado esquerdo e direito da parte da frente, imagens de cursos de rios,
florestas, como que convidando a um tempo meditativo. Entre a troca de imagens,
versículos bíblicos correspondentes ao ofertório: “trazei os dízimos à casa de
Deus” e por ai vai.
Nos auto falantes, além de
uma música repetitiva (sempre a mesma parte) a mesma voz “angelical” da
entrada: “Evite transitar dentro do templo, fique em atitude de oração.”
Como que não tivesse
percebido a indicação para tomada de assento na parte da frente, sentei-me no
último banco. Não fui importunada por isso.
Senti falta de bíblias, mas
pensei que os textos seriam projetados nos telões no momento certo.
Escutei alguém falando sobre
o tour. Questionei e fui informada
que nas tendas do lado de fora é possível agendá-los. Quis sair para fazer, mas
não me foi permitido: “A reunião já vai começar. Se fecharmos as portas, não
poderá entrar mais.” “Mas ainda faltam 15 minutos, dá tempo!” “Senhora, deixa
para o final da reunião.” Entendi o recado: sem ficar transitando no espaço!
Sobre a simbologia do local
será outro texto. Outro artigo. Outro estudo!
Até esse momento as luzes
estavam apagadas. Havia iluminação indireta vindo das enormes menorás nas
laterais. Seis de cada lado, com luzes alaranjadas, que nos remetia a chamas de
fogo.
Às 20h em ponto as cinco portas
se fecharam e tudo começou. Pude ouvir o barulho das travas. Fiquei com uma
sensação estranha. As luzes da parte da frente foram acesas. As cortinas se
abriram e pudemos ler: “Santidade ao Senhor” logo acima do monumento dourado. De
uma pequena porta saíram sete homens. Todos com quipá e xale, símbolos judaicos.
Tocou uma melodia bem alta e
todos se levantaram. O orador começou com um “Boa noite” e foi direto ao ponto.
Sem rodeios: “Vocês vieram aqui para receberem a bênção. Então venham até o
altar, depositar suas ofertas e vamos determinar que você não sairá daqui sem
recebê-la.”
Assim foi feito. Havia mais
ou menos umas seis mil pessoas no local. Estavam completos um pouco mais da metade
dos assentos. Pelo menos três mil pessoas posicionaram-se na parte da frente,
depositando seus envelopes nas “jóias da coroa de Salomão” que são quadrados de
vidro coloridos (branco, azul, vermelho, verde...) com luzes que os iluminavam,
localizados abaixo do palco.
Daí foi o primeiro
falatório. Chamarei de falatório porque me recuso a chamar aquilo de oração.
Não era oração! Não havia agradecimento pela vida, pela saúde, pelo dia. Não!
Era um falatório acerca da determinação do que o “deus do templo de Salomão”
estava obrigado a conceder, porque os que estavam ali não eram tímidos diante
desse deus. Eles eram ousados e queriam muito mais do que lhes é oferecido. E
realmente, quanta ousadia!!!
Então o frenesi começou. De
longe, de onde eu estava, o orador parecia ter menos do que 2 cM de altura. Mas
falava muito, muito mesmo. Repetia frases e bordões, dispensáveis de serem
transcritos, porque certamente você já ouviu na TV ou leu em algum outro relato.
Pois bem: é isso mesmo!
Uma gritaria, um falatório
sem sentido, luzes apagadas. Gritos! Medo! “Não tenham medo, o demônio foi
expulso e agora está amarrado. Você está livre para se entregar totalmente e
receber a bênção. Apenas determine!”
“A cruz vai aparecer e assim
que você olhar para ela eu garanto: você estará curado! Acenda-se a cruz!” E
nesse momento acendem-se alguns grupos de luzes no teto, em formato de cruz.
Pronto, cessou a gritaria e o falatório. Palmas!
O professor Rui Josgrilberg,
numa conversa que tivemos, usou a expressão “gestos e palavras plásticas”.
Agora sim eu entendia o que isso representava.
“Agora vamos GRAVAR os
testemunhos. Vamos pegar apenas alguns, devido o tempo. Mas não se preocupe. Se
você quiser dar o seu testemunho diante das câmeras, procure um de nossos
repórteres lá fora.”
Na minha comunidade o
testemunho tem cunho didático, com o objetivo de compartilhar com os irmãos o
mover de Deus na vida de quem compartilha.
Naquele lugar o “testemunho” é dado
para as câmeras. E as pessoas são chamadas então a terem os seus 3 segundos de
fama, em rede nacional.
Esses testemunhos também são
dispensáveis de serem relatados porque você já ouviu um. É sempre a mesma
coisa, a mesma matéria prima: plástico! São pessoas doentes por anos
sendo curadas naquele instante.
Curioso: após a entrevista, dada a confirmação
do entrevistado que foi curado, o orador (que agora se plastifica como
apresentador) estende a mão e diz: “Parabéns, O DEUS DO TEMPLO DE SALOMÃO te
curou.”
Note que não foi Deus, o
Criador, o Pai, o Eterno, Aquele que te ama, mas o deus do templo de Salomão!
Enquanto as entrevistas
acontecem, a multidão já retornou ao seu assento. Assim que acabam as
entrevistas (umas seis, no máximo) recomeça outro ato. Note que essa primeira
entrega foi da oferta. Agora é chegado o momento dos dízimos.
Para que não haja dúvidas, o
orador explica: “Você vai tirar o dízimo de tudo o que você tem no bolso. Se
você tiver dez, tira um. Se tiver cem, tira dez. se tiver mil, tira cem.” Esse
foi o único momento didático que encontrei em toda a reunião: como calcular a
décima parte.
“Ai na sua frente tem um
envelope dourado. Coloque seu dízimo nele e entregue ao senhor. Se não quiser
vir aqui na frente, entregue a um de nossos levitas nos corredores.” E lá vai
novamente a multidão. Começa uma música que não conheço. Não há projeção da
letra. O orador diz e a multidão repete no ritmo da melodia. Pronto! "Não
sabem o que estão repetindo, pensei.” A música é interrompida pelo orador, que
já parece bem agitado. Está suando! Mais falatório, mais frenesi. Outra frase
plástica e... calmaria.
Outras entrevistas, outros
testemunhos. Desta vez, referentes ao aspecto financeiro: processos que foram
resolvidos e o dinheiro saiu, dívidas antigas que foram recebidas etc etc etc.
A multidão volta aos assentos.
“Vou falar de uma coisa muito importante que tem no Salmo 91. Não ajuntareis
bens para si. Sabe aquela pessoa rica, que de uma hora pra outra perde tudo o
que tem? É porque ela está preocupada em ajuntar para si. Deus não gosta disso.
Ele gosta que se apegue a ele!” E vai discursando sobre isso. Tudo plástico! A
mesma reprodução!
A agitação do orador
aumenta: gesticula muito, anda de um lado para o outro, sobe e desce as escadas de acesso ao palco.
A luz ilumina-o diretamente. Só a ele e à parte da frente do local. O monumento
dourado representando a arca atrás dele quase o ofusca. Visivelmente está
incomodado.
Após uns cinco minutos de
falatório, conclama a multidão novamente: “Venham aqui na frente. Serão ungidos
com o óleo santo pelos seis sacerdotes e tudo que suas mãos conquistarem
durante essa semana, colocarão no envelope que irão receber e trarão aqui na
próxima semana.” Entendi o primeiro ato da reunião: a multidão estava
entregando o envelope da semana passada!
Neste momento passam os levitas entregando credenciais para a próxima semana - pulserinhas amarelas. A minha era laranja. Peguei duas. Quero que mais pessoas de fora vejam o que se faz lá!
Marchei em direção à parte
da frente. Infiltrei-me na multidão. Eram muitos mesmo. Só me senti em torno de
tanta gente quando fui a um show público da Marisa Monte, no Ibirapuera.
Na marcha, ninguém se
olhava. Ninguém me olhava. Eu procurava olhares, queria conversar com alguém,
mas não encontrava resposta. Outra música a ser repetida. Essa eu também não
conhecia. Eu não conhecia nada, nem ninguém. Não me reconhecia naquele espaço!
Fiquei por último para pegar
o envelope. Lá estavam os seis homens, três de cada lado, pendurados na ponta
do palco, com as mãos para baixo tocando as pessoas aqui embaixo. A mão do “sacerdote” que me tocou já não
estava mais besuntada de óleo, então não pude ter contato com o líquido. Mais
uma vez, sequer houve troca de olhares ou um sorriso. Nada! Peguei o envelope
dourado, com o slogan do local: templo de Salomão!
Mal eu peguei o douradinho,
outra multidão já estava a caminho da frente novamente. Não consegui vencê-la.
Já eram quase cindo mil pessoas. Fiquei lá. De frente para a jóia branca da
coroa (espécie de gazofilácio para receber as ofertas), com um palco acima de
minha cabeça, com pelo menos 1,60M de altura.
Dessa vez a multidão foi
conclamada a entregar a sua vida a deus. “Venham entregar suas vidas. Venham
dizer a deus que querem se apegar somente a ele.”
Outro frenesi. Mais
gritaria. Calor. Suor. Mau cheiro. Quanto mau cheiro! Pensei que alguém fosse
cair em cima de mim. “Fique tranquila, aqui ninguém cai.” Garantiu um rapazinho
engravatado, com pose de segurança, que me impedia de encostar no palco.
“Deus quer que se apegue a
ele. Se você é apegado ao seu carro, ao seu apartamento, ao seu dinheiro,
entregue tudo pra deus. Ele te dará muito mais do que você tem!”
Não estava acreditando. A
sensação de solidão no meio da multidão até aquele momento transformou-se em
indignação.
“O que ele está falando?” Achei que fosse mentira. Então, como se tivesse lido meus pensamentos, o orador/apresentador repetiu: “entregue seus bens
a deus”. Dessa vez, não era plástica a fala, era encharcada de emoção. Ele
estava quase chorando.
Olhei pra frente. Vi seus
pés. Olhei pra cima, vi seu rosto. Vermelho, suado. A luz incomodava seus
olhos. Tentei buscar seu olhar, mas ele não encarava a multidão. Olhava pra
cima, de onde vinha a luz. Tentava permanecer com os olhos abertos.
Eu já não escutava mais
nada: a gritaria tomou novamente conta daquele espaço. E fiquei ali. Sem
espaço. Sem reconhecimento de mim mesma: “o que eu vim fazer aqui, meu Deus??”.
Foi certamente uma das piores experiências que já tive.
As luzes da frente se
apagaram. Mais uma frase plástica. Apenas as menorás estavam acesas e refletiam
cores verde e azul. A comoterapia talvez explique. Outra frase plástica. A multidão se acalmou e foi
dispensada. Fim desse ato. Eu estava desacreditada do que havia presenciado.
Mal cheguei ao meu lugar,
outra conclamação: “Você está vendo esse envelope branco ai, na frente da sua
poltrona? Tem também uma caneta, não tem? Escreve nesse envelope a resposta que
você quer de deus. Escreve ai o que você quer que deus te responda essa
semana.”
Provavelmente sei como Jesus
se sentiu quando se irou e quebrou o templo. Senti o desejo de fazê-lo. Mas a
prudência me impediu. Ou será que foi a Margarida, uma amiga que me
acompanhava? Não sei. Mas não o fiz. “Vamos embora. Já são nove e meia e isso
vai pra mais de metro, tche.” “Vamos sim, Margarida. Já deu!”
E o apresentador continuava:
“escreve ai a sua resposta. Agora você vai demonstrar para deus o quanto você
quer que ele te responda. Coloque nele a sua oferta. Se você quer muito que ele
te responda, coloque muito. Se você quer pouco, coloque pouco. Para você que
quer colocar, mas não tem dinheiro, os sacerdotes com a máquina de cartão de
crédito estarão posicionados ao lado das sacolas. Você passa o cartão, coloca o
recibo no envelope e deposita o envelope na sacola. deus receberá a sua
oferta.”
“Hã??? Como é que é???”
“CANALHAS” foi o que escrevi. CA NA LHAS. Depositei o envelope branco na
sacolinha segurada por uma mulher, ao lado do “obreiro” com a máquina de cartão
de crédito (ou débito) em punho e sai daquele lugar.
Mas não antes de ser
questionada: “Aonde as senhoras vão?” “Ao banheiro” “É por ali.” Uma pessoa foi
designada para nos acompanhar, para ter certeza de que iríamos ao banheiro.
Uma vez no átrio, fui
abordada por um rapaz, com uns vinte e poucos anos, cheio de malícia. Importunou-me:
“Como é o seu nome?” “Pra que você quer saber?” “Vou pegar seu nome e seu
telefone. Vou te ligar para gravar um depoimento seu que vai passar no rádio,
durante nossa programação.” “Mas eu não quero dar depoimento nenhum. Não vou te
dar meu telefone!” “Por quê? Você não foi abençoada?” “NÃO! EU DETESTEI ESSE
LUGAR!”
E sem maiores abalos, o
malicioso rapaz foi atrás de outra vítima. Sem se importar com meu relato. Ele
não estava “nem ai”. “Está fazendo escola. Amanhã será ele ali na frente” eu
pensei e me entristeci. Isso não vai ter fim...
Peguei meu celular e saí com
uma certeza: não quero mais voltar aqui!!
Ainda que eu conte essa
experiência por toda a minha vida, jamais vou conseguir exprimir toda a
indignação que senti naquele lugar. Aquilo não é templo! Aquilo não é comunidade!
Aquilo não é igreja! Aquilo não é culto! Aquilo não é cristianismo!!!
Parece-me que estamos diante de um momento muito delicado de nossa sociedade. Necessitamos estudá-lo e discuti-lo com muito cuidado, pois muitas atrocidades já foram cometidas no passado em nome de um deus. Penso que esse deus também responderá por perversidades futuras. Mas quem o deterá??