Nos tempos antigos, em que o povo de Deus estava cativo
no Egito, sofrendo as dores da escravidão imposta pelo faraó, Deus, ouvindo o
clamor do Seu povo, libertou-o. Desde então, comemorar a Páscoa era celebrar a
liberdade deste povo. Em hebraico, Páscoa significa passagem.
Doze séculos depois, novamente o povo de Deus ficou
cativo, agora pelo Império Romano (que impingia cobranças de impostos abusivos)
e pelas leis do Templo (que regulamentava os pormenores da vida cotidiana).
Tais práticas impediam e restringiam a vida. Por isso Deus, ouvindo o clamor do
Seu povo, agora envia o Seu filho: Jesus.
Mas, diferente da libertação do Egito, a liberdade que
Jesus nos trouxe foi a liberdade da servidão. Contraditoriamente, estar livre
para o cristão e a cristã não é simplesmente deixar de ter seu corpo
escravizado, mas sim estar livre para imitar as atitudes de Jesus.
Enquanto a
lei judaica da época romana aprisionava os judeus à regras que o tornavam um
gueto e excluíam a grande maioria que não se enquadravam nessas regras, Jesus
Cristo servias a todas/os, envolvia-se com o sofrimento dos/as doentes, dos/as
tidos como “pecadores/as”, dos/as socialmente excluídos. Jesus acolhia os/as
marginalizado/as, fossem eles homens, mulheres ou crianças.
Antes da sua morte, Jesus, já amado por muitos, ao cear
com os seus discípulos, anunciou que estava prestes a morrer. Diante de certa
incapacidade dos presentes em compreender a situação como um todo, Ele deixa
uma ordem: “todas as vezes que comemorarem a Páscoa, lembrem-se que eu dei o
meu corpo e o meu sangue pela causa de vocês. Eu é que entrego, ninguém me
tira. Eu entrego a minha vida porque conheci as suas valorosas histórias, sofri
as suas dores, curei as suas feridas e perdoei os seus pecados. Façam isso
também, em memória de mim.”
Esse ordenamento de Jesus nos chama a pensar: estamos
conhecendo as histórias dos/das que sofrem? Estamos sofrendo junto com
eles/elas as mesmas dores? Temos curado feridas e perdoado pecados?
Jesus morreu no dia em que concordamos em chamar de
sexta-feira da paixão. Este foi o dia da Paixão de Cristo, o dia em que Seu
corpo foi torturado, tendo sofrido todo tipo de mau trato. A Sua morte deveria
significar para a população: não façam como este homem. Sigam as regras
judaicas, excluam, marginalizem, deixem morrer. E, no sábado, essa era a lição
aprendida: ninguém pode afrontar as regras determinadas pelo sistema dominante.
Mas eis que o corpo torturado de Jesus ressuscita no
domingo e nos traz uma nova mensagem: Deus viu que a morte de Jesus foi injusta
e o retornou à vida. Ainda que o sistema esmague o corpo de quem o contraria,
Deus o/a ressuscita! Deus é com ele/ela e dignifica esta vida.
Portanto, a liberdade que Jesus nos traz, 12 séculos
depois da libertação do Egito, não é a liberdade dos corpos, mas a liberdade de
ação. Ação em favor de quem sofre! A liberdade de denunciar a opressão que
provoca morte e a liberdade de buscar vida para os oprimidos. E vida em
abundância. Em Jesus, somos livres para servir os/as que estão à margem; não
estamos condenados/as a viver sob o domínio das regras que excluem e
marginalizam.
Que nesta Páscoa a comemoração possa ser sobre essa
lição: Jesus ressuscitou! Ele venceu o sistema que tentou calá-lo, o oprimiu e
depois o matou. E eis que, rememorando a sua vida e ressureição, resgatamos o
seu projeto de libertação. Que possamos ser profundamente agradecidos/as porque
Ele entregou a sua vida por nós.
Daniela Leão Siqueira
17/04/2019