sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Falar em vocação demoníaca da mulher em pleno século XXI é, no mínimo, cafona, démodé, cringe.

 

Há pelo menos 3.000 anos que os homens necessitam encontrar alguém que seja culpada pela incapacidade masculina de dominar e catalogar a Criação em suas infinitas possibilidades. Sem compreender a conexão cíclica da mulher com a Natureza e diante da absoluta impotência em alterar essa condição, a masculinidade se vê apavorada.

Sendo o deus masculino uma projeção do homem que não chora, não sangra, não é “capado”, não verte leite etc, é incompreensível que a mulher também faça parte dessa projeção, já que deus não pode ser “fraco”. Assim, em um universo construído a partir do homem (androcêntrico) a mulher não é reconhecida, não tem parte, não se parece com deus.

Na concepção dualística (só existem dois lados: bem ou mal, amigo ou inimigo, certo ou errado e por aí vai) desse universo, se a mulher não tem parte com deus, só pode ter parte com o diabo. Por isso, é tão antiga a associação da mulher com o demônio. Por ser filha do inimigo de deus, é inimiga de seu filho - o homem. Por isso, a mulher é tão odiada. É isso que se chama misoginia: ódio à mulher pela sua condição de ser... mulher.

Mas esse não foi o ensinamento de Jesus de Nazaré, aquele descrito nos Evangelhos. Jesus Cristo rompeu com a lógica que preconizava a mulher à condição de filha do diabo e “desobrigou” o homem de controlá-la, dominá-la. As mulheres foram valorizadas, respeitadas e, na posição de discípulas, elevadas à condição de amigas do filho de Deus. Do verdadeiro Deus.

Que os teólogos de dez séculos atrás usassem a associação da mulher a adjetivos como demoníaca, vingativa, manipuladora, emocionalmente desequilibrada, maldosa, ardilosa, traidora, orgulhosa para justificar a incapacidade masculina de compreender a força vital e visceral da mulher já é triste. Mas, em pleno século XXI, continuar a usar essa argumentação é, no mínimo, arcaica, cafona, démodé, cringe e, em uma análise mais detalhada, a confirmação de alienação da sociedade na qual vivemos.

Pastores e pastoras, sacerdotes e sacerdotisas e lideranças religiosas que continuam a propagar argumentações de dez ou quinze séculos atrás falam e se posicionam de um lugar (cada vez mais encolhido) que ainda representa um resquício do violento arcaico a ser superado. Se suas falas encontram eco nas comunidades religiosas, é porque estão respaldados e respaldadas por pessoas que não foram tocadas pela mensagem libertadora do Evangelho de Jesus. Se o eco é na sociedade como um todo, as/os ouvintes não compreenderam a profundidade da expressão “direitos humanos”, a qual propõe humanidade para homens e também para mulheres e não humanidade para homens e “demonicidade” para mulheres.

Qualquer pessoa que tenha o mínimo de seriedade no estudo e na propagação da Teologia Cristã e responsabilidade histórica faz a distinção entre o que é construção cultural e o que é ensinamento do Evangelho. Se você leu ou escutou alguma mensagem que não fez essa reflexão, não leve a sério. Ou essa pessoa não estudou Teologia de forma responsável ou não tem capacidade cognitiva para esse discernimento. Pode ser também que ela só queira aparecer nas mídias sociais usando a tática de mobilizar a indignação das pessoas para chamar atenção.

E lembre-se: você não precisa seguir falsos profetas e falsas profetizas. Participe do diálogo com as Mulheres EIG, movidas pela Ruah, para compreender por que Deus é feminina, fecunda. Vamos juntos e juntas construir uma sociedade onde todes tenham lugar e onde amar seja sinônimo de libertação e não de dominação.