Há pelo menos 3.000 anos que os homens necessitam encontrar
alguém que seja culpada pela incapacidade masculina de dominar e catalogar a Criação
em suas infinitas possibilidades. Sem compreender a conexão cíclica da mulher
com a Natureza e diante da absoluta impotência em alterar essa condição, a
masculinidade se vê apavorada.
Sendo o deus masculino uma projeção do homem que não chora,
não sangra, não é “capado”, não verte leite etc, é incompreensível que a mulher
também faça parte dessa projeção, já que deus não pode ser “fraco”. Assim, em
um universo construído a partir do homem (androcêntrico) a mulher não é
reconhecida, não tem parte, não se parece com deus.
Na concepção dualística (só existem dois lados: bem ou mal,
amigo ou inimigo, certo ou errado e por aí vai) desse universo, se a mulher não
tem parte com deus, só pode ter parte com o diabo. Por isso, é tão antiga a
associação da mulher com o demônio. Por ser filha do inimigo de deus, é inimiga
de seu filho - o homem. Por isso, a mulher é tão odiada. É isso que se chama
misoginia: ódio à mulher pela sua condição de ser... mulher.
Mas esse não foi o ensinamento de Jesus de Nazaré, aquele
descrito nos Evangelhos. Jesus Cristo rompeu com a lógica que preconizava a
mulher à condição de filha do diabo e “desobrigou” o homem de controlá-la,
dominá-la. As mulheres foram valorizadas, respeitadas e, na posição de discípulas, elevadas à condição de amigas do filho de Deus. Do verdadeiro Deus.
Que os teólogos de dez séculos atrás usassem a associação da
mulher a adjetivos como demoníaca, vingativa, manipuladora, emocionalmente
desequilibrada, maldosa, ardilosa, traidora, orgulhosa para justificar a
incapacidade masculina de compreender a força vital e visceral da mulher já é
triste. Mas, em pleno século XXI, continuar a usar essa argumentação é, no
mínimo, arcaica, cafona, démodé, cringe e, em uma análise mais
detalhada, a confirmação de alienação da sociedade na qual vivemos.
Pastores e pastoras, sacerdotes e sacerdotisas e lideranças
religiosas que continuam a propagar argumentações de dez ou quinze séculos
atrás falam e se posicionam de um lugar (cada vez mais encolhido) que ainda
representa um resquício do violento arcaico a ser superado. Se suas falas
encontram eco nas comunidades religiosas, é porque estão respaldados e
respaldadas por pessoas que não foram tocadas pela mensagem libertadora
do Evangelho de Jesus. Se o eco é na sociedade como um todo, as/os ouvintes não
compreenderam a profundidade da expressão “direitos humanos”, a qual propõe
humanidade para homens e também para mulheres e não humanidade para homens e “demonicidade”
para mulheres.
Qualquer pessoa que tenha o mínimo de seriedade no estudo e
na propagação da Teologia Cristã e responsabilidade histórica faz a distinção
entre o que é construção cultural e o que é ensinamento do Evangelho. Se você
leu ou escutou alguma mensagem que não fez essa reflexão, não leve a sério. Ou
essa pessoa não estudou Teologia de forma responsável ou não tem capacidade
cognitiva para esse discernimento. Pode ser também que ela só queira aparecer
nas mídias sociais usando a tática de mobilizar a indignação das pessoas para
chamar atenção.
E lembre-se: você não precisa seguir falsos profetas e
falsas profetizas. Participe do diálogo com as Mulheres EIG, movidas pela Ruah,
para compreender por que Deus é feminina, fecunda. Vamos juntos e juntas
construir uma sociedade onde todes tenham lugar e onde amar seja sinônimo de
libertação e não de dominação.