sexta-feira, 29 de maio de 2020

Pentecostes

O espírito que habita
No meio do moabita
Também se habilita
Nessa geração desdita

No meio da pandemia
Com tanta covardia
Que gera agonia
Ele se anuncia

Mas há antinomia
Nessa teosofia
Que virou a filosofia
E gerou idolatria

Impede a manifestação
Da genuína revelação
Do Senhor da fundação
Com a Sua Criação

Precisamos nos converter
E sua presença perceber
Ele quer nos responder
E a todas nós acolher

Foi Deus quem enviou
E a Ele entregou 
O cuidado do que foi criado
Porque tudo é muito amado

Nossa parte é confiar
E da próxima cuidar
Juntas, com fé desejar
Que logo iremos festejar.

Daniela Leão Siqueira

Certinha

Essa coisa de ser certinha
Essa fala de menininha
Só me trouxe castração
E muita opressão

Quero poder ser
Estar fora da caixinha
Poder fazer revolução
E prover libertação

Não é fácil ser mulher
Ter que ser boa de colher
Fazer muito mais do que der
E topar tudo o que vier

Tomar uma cerveja
Permitir que alguém veja
Dizer que você deseja
Aumenta a peleja

Mas ajuda na caminhada
Que é uma dura jornada
De difícil empreitada
Numa sociedade neoliberada

Suspende o segundo
Liberta o profundo
Alivia do mundo
Eu gozo com o Edmundo 

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Esperança


“Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais.” (Jr. 29:11)


Tenho medo. Tenho angústia. Tenho sono. Um sono que não é de não dormir.. é um sono de não querer acordar. Meus planos fracassaram...

Ultimamente está muito difícil de querer acordar. Tudo lá fora parece estar morto, triste, sem senso, sem rumo. Todos parecemos caminhar para a morte. Como chegamos até aqui, nesse labirinto gigante que não sabemos quantas saídas tem? Será que tem?

 Outro dia ouvi uma mensagem sobre esperança. Espera – intervalo. Esperança – fé (crença) no futuro, confiança, virtude. Confiança – crédito, de boa fama, segurança e bom conceito que inspiram as pessoas de probidade, talento, discrição, esperança firme, familiaridade, atrevimento. Virtude – força moral, disposição firme e habitual para a prática do bem, boa qualidade moral, eficácia, validade, motivo.

Hoje não tenho nada disso. Não tenho esperança, não tenho confiança, não tenho virtude. Nada. Sinto-me seca, triste, fraca, incapaz. Não, não foi de uma hora para outra. E não, não sou a única a me sentir assim. Essa sensação de vazio vem se construindo em nossa sociedade há algum tempo, desde que começaram a nos dizer que estávamos erradas em acreditar que precisamos cuidar umas das outras. “A outra é sua concorrente, você precisa derrotá-la”. Fizeram-nos acreditar.

Não digo que estou totalmente fora dessa lógica, mas luto, sempre que me percebo nela, para fugir. Que tristeza saber que ela se enraizou de tal forma que virou estilo de vida... que angústia não poder reverter essa condição. Eis um intervalo dolorido na minha existência. Estou cansada de correr pelos corredores desse labirinto que me levam a paredes sem portas.

Não creio no futuro a partir desse processo de destruição. Não há como confiar na semelhante se encarada como concorrente a ser derrotada. No final das contas, assassinato é suicídio. Não há virtude nessa prática.

Não há crédito nem boa fama para as vencedoras desse jogo que não inspira segurança, pois não há quem aja com probidade. Não há talento no desconsiderar a vida. Não há bondade em desejar a morte.

Hoje vejo tudo isso. Sinto tudo isso. Vivo tudo isso. Sinto-me engasgada, angustiada, amordaçada, desesperançada.

Outro dia, ouvi uma mensagem sobre esperança. Uma mensagem que falava de ressurreição. De vida, de projetos, de futuro...

Agora me esforço para me lembrar daquelas palavras. Não consigo. Mas preciso. Desesperadamente, preciso. Sem voltar a acreditar na validade da vida, não posso querer acordar. Não do sono, mas do querer dormir. E eu quero dormir. Dormir para passar.

Me dou conta de que não me lembrarei das palavras esperançosas se eu não trocar os meus óculos. Parece estranho, mas é verdade. As lentes que uso agora estão refletindo morte, descrença completa. Pelas lentes do niilismo, a vida é reduzida a nada. Quando foi que eu as coloquei???

Espere um momento... vou trocar. Volto já.

Pronto! Voltei. Achei minhas lentes do amor. Estavam guardadas em uma gaveta desde a última vez em que me dei conta do quanto podemos ser cruéis umas com as outras. Bom que ainda me servem. Ainda enxergo com elas.

Começo a me lembrar, aos poucos, da mensagem. Tinha duas frases muito significativas: “Não chores.” e “Levanta-te!” Reescrevendo-as, um sentimento lá no fundo do meu coração se acende. Sei lá, uma chama pequena que me traz um calor suave e reconfortante. Me faz sentir viva!

Falava também de cuidado de uma com a outra, de conforto em comunidade, de acolhimento e de confiança. Tinha algo de enxugar as lágrimas e, juntas, restabelecer a vida e refazer os planos. Recalcular a rota.

E como é difícil o processo de recalcular a rota para procurar a saída. Primeiro, precisamos perceber que estamos num labirinto, porque ele não se coloca como tal, mas como 'a forma correta de viver'. Não o enxergamos se não questionamos por que vivemos como vivemos. É preciso ter coragem para fazer esse questionamento.

Segundo, é necessário incomodar-se com essa situação. Se a resposta ao nosso questionamento for um conformismo com o estilo de vida que levamos, não há por que querer sair.

Terceiro (mas não último), é preciso ter uma opção a tal forma correta de agir que se nos apresenta. Sim, porque, sem uma rota alternativa, não há como refazer os planos.

Para construir uma rota alternativa (uma estrada nova mesmo), precisamos estabelecer relações de cuidado com a vida, enxugando as lágrimas umas das outras. Não podemos impedi-las de cair, mas, passado um intervalo, elas precisam ser enxutas para que a segurança e a confiança sejam restabelecidas. Não é possível querer acordar se não nos sentimos seguras e confiantes.

Uma vez seguras e confiantes umas nas outras, afidadas, precisamos ser ousadas e nos levantar para anunciar um futuro a ser construído a partir das lentes do amor. Olhemos para a outra como uma companheira de caminhada, valorizando a sua vida, os seus talentos, as suas virtudes e, juntas, construirmos os planos de um futuro fora desse labirinto edificado sobre a morte da irmã e do irmão.

Precisamos trabalhar nesses planos de reconstrução para que toda a diversidade humana e da natureza estejam incluídas neles, tendo a vida como prioridade. Que neles, a morte não seja o plano, mas a consequência natural do ciclo, contemplação da finitude da vida. 

Outro dia, ouvi uma mensagem de esperança. Hoje, relembrando, escrevi uma e venci a angústia. E você? Qual verbo vai conjugar com esperança?

Daniela Leão Siqueira
11/05/2020