segunda-feira, 13 de março de 2017

“Não sou homofóbic@, só não os quero perto de mim.”



Há alguns dias propus-me a refletir sobre essa frase que, tenho certeza, todos e todas já ouvimos ou dissemos algum dia. O que há de tão controverso nela?

            Lembrei de uma criança conhecida (na época com 9 anos) que, uma vez instada a desenhar ela e uma aranha (ela sofria com aracnofobia) inverteu os tamanhos dos personagens: ela estava bem pequenininha e a aranha, gigante. E mais, na sua imaginação, todas as aranhas eram iguais e todas capazes de matá-la, engoli-la.

            Daí podemos tirar uma lição: a fobia (descrita no dicionário como: medo; receio; temor mórbido obsessivo e constante) nos tira a racionalidade. Como poderia uma aranha ser 100 vezes maior do que uma criança de 9 anos?

O medo nos paralisa e para vencê-lo, precisamos usar o raciocínio (descrito no dicionário como encadeamento de argumentos mediante o qual dois ou mais juízos dados nos permitem inferir outros, tirar conclusão; operação mental que se resume em equacionar um problema e resolvê-lo; juízo, ponderação; observação; ação de pensar, de refletir).

Assim, colocando em prática nosso dom de raciocinar - no exemplo do medo infantil - podemos ajudar a criança a repensar sobre a situação: “veja bem, você é muito maior do que o bichinho, não tem como ele te comer!”; “essa aranha que vem junto com a poeira de casa não tem veneno, não pode te fazer mal” e por ai vai. A maturidade do raciocínio a levará a compreender que a aranha não é um perigo real para a vida dela.

Agora, voltemos ao caso dos homossexuais. Por que não os queremos por perto? Por que “podem existir, desde que estejam longe de mim”?

Minha aposta é que parte do problema esteja na falta do uso de nosso raciocínio. Se instadas a fazerem um desenho sobre o que a homossexualidade representa para si, muitas pessoas desenharão monstros mitológicos e não seres humanos. E para justificar essa afirmação, cito as palavras do eminente jurista Ives Gandra Martins Filho, ao comentar em seu livro a decisão do STF em acolher a união homoafetiva em 2012*:
“Por simples impossibilidade natural, ante a ausência de bipolaridade sexual (feminino e masculino), não há que se falar, pois, em matrimônio entre dois homens ou duas mulheres, como não se pode falar em casamento de uma mulher com seu cachorro ou de um homem com seu cavalo (pode ser qualquer tipo de sociedade ou união, menos matrimonial)” (p. 139).*
A falta de aceitação da imensa diversidade que Deus é capaz de gerar na humanidade pode ser a chave para essa questão: colocamos a Criação sob planilhas que fomos criando ao longo do tempo (as quais já estão velhas e desgastadas, com colunas e linhas apagadas) e, o que não couber nesses moldes, não pode ser aceito como vindo de Deus, como parte da Sua Criação. Passamos então a rotular as vivências sociais como “isso é de Deus”, “isto é do Diabo”.

Proponho que uma das possíveis saídas dessa “armadilha planilhadora” é estudar (no dicionário: aprender; entender; compreender; examinar; analisar; observar) e repensar as lições que Jesus veio nos trazer. Ele não nos deixou planilhas com conceitos fechados. Pelo contrário, em todos os seus ensinamentos Ele nos incita (no dicionário, incitação: estímulo vindo dos centros nervosos para a periferia; exortação; incendimento; estímulo; provocação) à reflexão (ato ou efeito de refletir; meditação, prudência, sensatez).

“Qual desses três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10:36); “Quem de vós, por mais ansioso que possa estar, é capaz de prolongar, por um pouco que seja, a duração da sua vida?” (Lc 12:25”; “Não julgueis e não sereis julgados.” (Lc 6:37); “Quem me designou juiz ou negociador entre vós?” (Lc 12:14); “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro a lhe atirar a pedra.” (Jo 8:7); “Nem eu te condeno; podes ir e não peques mais.” (Jo 8:11).

Em absoluto esses ensinamentos citados pretendem esgotar o esforço de Jesus em chamar a atenção para a nossa condição humana de compreensão limitada e nos convidar a aceitação das mais diversas formas de comportamentos decorrentes dos mais diversos processos de convivência. O importante é salientar: Jesus nos chama à responsabilidade da reflexão. É somente a partir do ato reflexivo que nos é permitido concluir que o medo e a aversão ao desconhecido não é real, mas fruto de ignorância (desconhecimento; ausência de conhecimento). “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (Jo. 8:32).

Homofobia é o fato de sentirmos medo de uma pessoa que não se encaixa na velha planilha social porque ela não pode ser classificada por gênero: não é feminina porque não gosta de macho e não é masculina porque tem vagina ou não é masculino porque não gosta de fêmea e não é feminino porque tem pênis. O que é então?

É certo que o impulso sexual é importante para a humanidade, por isso dever ser inevitável (ao menos para algumas pessoas) a tentativa de classificar ou catalogar seus ‘resultados’. Mas acreditar que todas as possibilidades sexuais humanas podem caber na simplória classificação de masculino e feminino faz com que sejam desprezados e desprezadas quem está fora da caixa, ou melhor, quem não se encaixa. Esse raciocínio pode nos levar à conclusão de que quem pratica uma sexualidade diferente da (im)posta não é humano ou humana. Daí para a repulsa é um passo muito pequeno.

 Ao desejarmos condenar os homossexuais à existência na margem, “longe de mim” estamos fazendo como aquela criança de raciocínio imaturo que não concebe a real condição da aranha: minúscula e suscetível a morte à menor pressão que seja imposta sobre ela. a partir daí, minha conclusão foi essa: Sim, repulsar manifestações homoafetivas é imaturidade!!!

Aqui, é importante salientar o fato de que há séculos (pelo menos 10) na sociedade ocidental a dualidade sexual a partir da genitália (vagina e pênis) vem sendo ensinada e aceita como a única possível, o que nos fez concebê-la como sendo A natural ou A dada pela Criação. Mas o conhecimento de outras civilizações (que não ocidentais e não contemporâneas) nos permite compreender que essa classificação (feminino, masculino) é social e foi construída através de muita dominação e subjugação. Daí podemos expandir o pensamento para alcançar a real possibilidade de que a relação heterossexual não é a única natural, mas apenas UMA das possíveis na humanidade, dentre tantas outras.

Assim, convido a você que lê esse texto a fazer o encadeamento dos argumentos aqui apresentados mediante o qual dois ou mais juízos dados permita-lhe inferir outros, a fim de tirar uma outra conclusão sobre homossexualidade; pratique a operação mental que se resume em equacionar um problema e resolvê-lo; faça novo juízo, através da ponderação e observação da vida; exercite a ação de pensar, de refletir ou seja, use seu raciocínio para compreender que, enquanto parte da Criação, as relações humanas (sejam sexuais ou não) e suas complexidades são infinitas.

Expandir o conhecimento é um exercício tão importante quanto exercitar o corpo. É essa ação que traz movimento e oxigena a mente, a fim de que se reconheça que a humanidade é infinitamente diversa e que é essa diversidade que traz beleza e vigor à vida.

A mente que se abre a uma nova ideia,
jamais voltará ao seu tamanho original.”
Albert Einstein.

Daniela Leão Siqueira 10-03-2017.

* - FILHO, Ives Gandra Martins - Artigo intitulado Direitos Fundamentais no livro Tratado de Direito Constitucional, v. 1, 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

- Dicionário utilizado: Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, 1981.