Há
alguns dias propus-me a refletir sobre essa frase que, tenho certeza, todos e
todas já ouvimos ou dissemos algum dia. O que há de tão controverso nela?
Lembrei de uma criança conhecida (na época com 9 anos)
que, uma vez instada a desenhar ela e uma aranha (ela sofria com aracnofobia)
inverteu os tamanhos dos personagens: ela estava bem pequenininha e a aranha,
gigante. E mais, na sua imaginação, todas as aranhas eram iguais e todas
capazes de matá-la, engoli-la.
Daí podemos tirar uma lição: a fobia (descrita no
dicionário como: medo; receio; temor mórbido obsessivo e constante) nos tira a
racionalidade. Como poderia uma aranha ser 100 vezes maior do que uma criança
de 9 anos?
O
medo nos paralisa e para vencê-lo, precisamos usar o raciocínio (descrito no
dicionário como encadeamento de argumentos mediante o qual dois ou mais juízos
dados nos permitem inferir outros, tirar conclusão; operação mental que se
resume em equacionar um problema e resolvê-lo; juízo, ponderação; observação;
ação de pensar, de refletir).
Assim,
colocando em prática nosso dom de raciocinar - no exemplo do medo infantil - podemos
ajudar a criança a repensar sobre a situação: “veja bem, você é muito maior do
que o bichinho, não tem como ele te comer!”; “essa aranha que vem junto com a
poeira de casa não tem veneno, não pode te fazer mal” e por ai vai. A
maturidade do raciocínio a levará a compreender que a aranha não é um perigo
real para a vida dela.
Agora,
voltemos ao caso dos homossexuais. Por que não os queremos por perto? Por que “podem
existir, desde que estejam longe de mim”?
Minha
aposta é que parte do problema esteja na falta do uso de nosso raciocínio. Se
instadas a fazerem um desenho sobre o que a homossexualidade representa para
si, muitas pessoas desenharão monstros mitológicos e não seres humanos. E para justificar essa afirmação, cito as palavras do eminente jurista Ives
Gandra Martins Filho, ao comentar em seu livro a decisão do STF em acolher a união
homoafetiva em 2012*:
“Por simples impossibilidade natural, ante a
ausência de bipolaridade sexual (feminino e masculino), não há que se falar,
pois, em matrimônio entre dois homens ou duas mulheres, como não se pode falar
em casamento de uma mulher com seu cachorro ou de um homem com seu cavalo (pode
ser qualquer tipo de sociedade ou união, menos matrimonial)” (p. 139).*
A
falta de aceitação da imensa diversidade que Deus é capaz de gerar na
humanidade pode ser a chave para essa questão: colocamos a Criação sob
planilhas que fomos criando ao longo do tempo (as quais já estão velhas e
desgastadas, com colunas e linhas apagadas) e, o que não couber nesses moldes,
não pode ser aceito como vindo de Deus, como parte da Sua Criação. Passamos
então a rotular as vivências sociais como “isso é de Deus”, “isto é do Diabo”.
Proponho
que uma das possíveis saídas dessa “armadilha planilhadora” é estudar (no
dicionário: aprender; entender; compreender; examinar; analisar; observar) e repensar
as lições que Jesus veio nos trazer. Ele não nos deixou planilhas com conceitos
fechados. Pelo contrário, em todos os seus ensinamentos Ele nos incita (no
dicionário, incitação: estímulo vindo dos centros nervosos para a periferia;
exortação; incendimento; estímulo; provocação) à reflexão (ato ou efeito de
refletir; meditação, prudência, sensatez).
“Qual
desses três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos
assaltantes?” (Lc 10:36); “Quem de vós, por mais ansioso que possa estar, é
capaz de prolongar, por um pouco que seja, a duração da sua vida?” (Lc 12:25”; “Não
julgueis e não sereis julgados.” (Lc 6:37); “Quem me designou juiz ou negociador
entre vós?” (Lc 12:14); “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o
primeiro a lhe atirar a pedra.” (Jo 8:7); “Nem eu te condeno; podes ir e não
peques mais.” (Jo 8:11).
Em
absoluto esses ensinamentos citados pretendem esgotar o esforço de Jesus em
chamar a atenção para a nossa condição humana de compreensão limitada e nos
convidar a aceitação das mais diversas formas de comportamentos decorrentes dos
mais diversos processos de convivência. O importante é salientar: Jesus nos
chama à responsabilidade da reflexão. É somente a partir do ato reflexivo que
nos é permitido concluir que o medo e a aversão ao desconhecido não é real, mas
fruto de ignorância (desconhecimento; ausência de conhecimento). “E conhecereis
a verdade, e a verdade vos libertará.” (Jo. 8:32).
Homofobia
é o fato de sentirmos medo de uma pessoa que não se encaixa na velha planilha
social porque ela não pode ser classificada por gênero: não é feminina porque
não gosta de macho e não é masculina porque tem vagina ou não é masculino
porque não gosta de fêmea e não é feminino porque tem pênis. O que é então?
É certo
que o impulso sexual é importante para a humanidade, por isso dever ser
inevitável (ao menos para algumas pessoas) a tentativa de classificar ou
catalogar seus ‘resultados’. Mas acreditar que todas as possibilidades sexuais humanas
podem caber na simplória classificação de masculino e feminino faz com que sejam
desprezados e desprezadas quem está fora da caixa, ou melhor, quem não se
encaixa. Esse raciocínio pode nos levar à conclusão de que quem pratica uma
sexualidade diferente da (im)posta não é humano ou humana. Daí para a repulsa é
um passo muito pequeno.
Ao desejarmos condenar os homossexuais à existência na
margem, “longe de mim” estamos fazendo como aquela criança de raciocínio
imaturo que não concebe a real condição da aranha: minúscula e suscetível a
morte à menor pressão que seja imposta sobre ela. a partir daí, minha conclusão foi essa: Sim,
repulsar manifestações homoafetivas é imaturidade!!!
Aqui,
é importante salientar o fato de que há séculos (pelo menos 10) na sociedade
ocidental a dualidade sexual a partir da genitália (vagina e pênis) vem sendo
ensinada e aceita como a única possível, o que nos fez concebê-la como sendo A natural ou A dada pela Criação. Mas o conhecimento de outras civilizações (que
não ocidentais e não contemporâneas) nos permite compreender que essa
classificação (feminino, masculino) é social e foi construída através de muita
dominação e subjugação. Daí podemos expandir o pensamento para alcançar a real possibilidade de que a relação heterossexual
não é a única natural, mas apenas UMA das possíveis na humanidade, dentre tantas outras.
Assim,
convido a você que lê esse texto a fazer o encadeamento dos argumentos aqui
apresentados mediante o qual dois ou mais juízos dados permita-lhe inferir
outros, a fim de tirar uma outra conclusão sobre homossexualidade; pratique a
operação mental que se resume em equacionar um problema e resolvê-lo; faça novo
juízo, através da ponderação e observação da vida; exercite a ação de pensar,
de refletir ou seja, use seu raciocínio para compreender que, enquanto parte da Criação, as relações humanas (sejam sexuais ou não) e suas complexidades são infinitas.
Expandir
o conhecimento é um exercício tão importante quanto exercitar o corpo. É essa
ação que traz movimento e oxigena a mente, a fim de que se reconheça que a
humanidade é infinitamente diversa e que é essa diversidade que traz beleza e
vigor à vida.
“A mente que se abre a uma nova ideia,
jamais voltará ao seu tamanho original.”
Albert Einstein.
Daniela Leão Siqueira 10-03-2017.
* -
FILHO, Ives Gandra Martins - Artigo intitulado Direitos Fundamentais no
livro Tratado de Direito Constitucional, v. 1, 2ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2012.
- Dicionário utilizado: Dicionário
Escolar da Língua Portuguesa, 1981.