Essa pergunta me surpreendeu outro dia no watsapp. Minha primeira reação foi
perguntar: “Como assim? Tá, sou sua amiga, mas o que eu tenho a ver com a sua
sexualidade?” A segunda foi: “Por que você está me perguntando isso?”
Não consigo parar de pensar nesse fato! Claro que minha
amiga estava angustiada e precisava da minha aprovação. Então, eu dei: “Eu te
acolho, te gosto, te respeito, te aceito. (e ponto final!)” Mas por que essa
necessidade? Tenho para mim que a resposta está na quantidade de desaprovação
que ela tem recebido ultimamente.
Poucas vezes eu paro para pensar nas pessoas que são
“desaprovadas” pela sociedade, sabia? Minha vida é tão cheia de aprovações...
Olha só: nunca repeti de ano na escola, tenho carro e casa próprios, família de
comercial de margarina, ocupo espaços de liderança na igreja etc, etc, etc.
Enfim, aos olhos do mundo: estou aprovadíssima, tenho méritos, sou uma pessoa
de sucesso! Ou Deus me abençoou? Mas... e quem vive sob o constante jugo da
desaprovação? Essa pessoa não tem méritos, não é um sucesso? Deus não a
abençoou?
Foi tentando analisar essa situação que me dei conta de
que o que eu tive foi acesso a um privilégio socialmente construído e sorte! E
isso não tem nada a ver com Deus. Tive o privilégio de ter tido tempo para
sempre me dedicar aos estudos como prioridade na minha vida, privilégio de ter
encontrado um bom trabalho, sorte de ter encontrado o meu marido antes de ele
conhecer outra pessoa mais interessante do que eu, sorte de ter nascido heterossexual
numa família de classe média, sorte de ter um dom que a comunidade acolha e com
o qual me permita colaborar, privilégio de ter encontrado o motivo pelo qual eu
vivo. Simplesmente tive sorte e privilégios!
Como posso querer invocar a bênção de Deus somente para
mim e as/os socialmente aprovadas/os? Quer dizer que Deus nos abençoou e
esqueceu-se da minha amiga e das/os outras/os? Jamais! Ele jamais os deixaria, os
deixa ou virá a deixá-los sem a Sua bênção, todos os dias, sobre as suas vidas!
Deus nunca abandonará ninguém. Ainda que uma mãe abandone um filho, Ele jamais
o fará!
A angústia que minha Bela amiga sente não nasce da falta
da bênção de Deus, mas da discriminação que a sociedade (incluindo a sua
comunidade de fé) tem praticado para com ela. É a constante tentativa de colocá-la
dentro de um padrão ou tentar mantê-la à margem - longe dos olhos dos
preconceituosos – por não conseguir padronizar-se que se fazem presentes nas
narrativas que ela escuta diariamente o motivo pelo qual a faz sentir-se angustiada, fazendo-a sofrer.
É a confusão que se faz entre a bênção de Deus e a aprovação social, somada à falta de amor para acolher a diversidade da criação de Deus que faz com que as/os marginalizadoras/es construtoras/es de regras (neste caso, heteronormativas) não a reconheçam como igual, tratando-a como “não abençoada” ou “fora do padrão”, “desqualificada” para o convívio com os demais. Tal situação envia-lhe a mensagem: “esconda-se!”, o que provoca sensação de não pertencimento, gerando angústia no coração da Bela.
É a confusão que se faz entre a bênção de Deus e a aprovação social, somada à falta de amor para acolher a diversidade da criação de Deus que faz com que as/os marginalizadoras/es construtoras/es de regras (neste caso, heteronormativas) não a reconheçam como igual, tratando-a como “não abençoada” ou “fora do padrão”, “desqualificada” para o convívio com os demais. Tal situação envia-lhe a mensagem: “esconda-se!”, o que provoca sensação de não pertencimento, gerando angústia no coração da Bela.
E, assim como minha amiga, muitas pessoas sentem que não
pertencem a um grupo. Agora, pensemos nessa constatação neurocientífica: pertencer
a um grupo, amar e ser amado pelos integrantes desse grupo é uma necessidade
humana que precisa ser atendida, sem a qual não conseguimos alcançar o nosso
pleno potencial como ser humano. A angústia causada pela falta de acolhimento
em grupo é uma das grandes causas de transtornos físicos e mentais, porque é
vital que seres humanos estejam em relação, uns com os outros. Quando se trata
de relações sexuais, isso não é diferente.
Numa sociedade predominantemente cristã como a nossa,
ainda mais cruel do que normatizar comportamentos e apontar os que estiverem
“fora do normal” é classificar a homossexualidade (ou qualquer outra forma de
expressão da sexualidade humana) como pecado. Ao fazer isso, somamos o peso da
culpa à angústia causada pela sensação de não pertencimento. Notemos que essa “pecaminização”
não trata de qualquer culpa, mas da pior: a culpa sem redenção. Por quê? Porque
a sexualidade é uma pulsão, um movimento interno que direciona a vida e, uma
vez descobertas suas condições sexuais, seres humanos não podem mais
desfazer-se dessa pulsão. Nesse raciocínio acachapante de “pecaminizar” uma
condição sexual, não há resgate possível para essa culpa, daí a profunda
crueldade dessa ação.
Quando tomamos contato com narrativas contidas nos
Evangelhos sobre a vida de Jesus, percebemos que Cristo praticou
incessantemente o acolhimento às/os socialmente excluídas/os. Curou leprosos, acolheu
prostitutas, cobradores de impostos e todos as/os pechadas/os como pecadoras/es
de sua época. O nazareno gerou (no sentido de fazer germinar) ambientes de amor
e acolhimento em volta de si. E os frutos desses ambientes tornaram-se
permanentes. Por onde quer que passasse, as pessoas O aceitavam como filho de
Deus porque ele amava e acolhia como o próprio Deus. Ao anunciar o Reino de
Deus como um lugar onde todas/os teriam assento, Ele atende à necessidade
humana de pertencimento a um grupo, de amar e ser amado pelos integrantes desse
grupo. Foi essa a fé que nos alcançou. E esses relatos permanecem vivos e falam
conosco sobre a psique humana desde sempre, inclusive nos dias de hoje.
Além de nos anunciar um espaço onde TODAS e TODOS caibam,
os Evangelhos proclamam Jesus como o Cordeiro de Deus que TIRA o pecado do
mundo. Olha que maravilha! Jesus TIROU O PECADO DO MUNDO! Então, se Jesus já
tirou o pecado do mundo, quem somos nós, pequeninos diante da grandeza de Deus,
para introduzi-lo novamente? É muita petulância!
Se formos verdadeiramente cristãs/os e quisermos
segui-lo, a nossa missão não é a de fazer planilhas que classifiquem as
pessoas, podando-as e fazendo-as ficar adequadas às regras sociais inventadas
(sabe-se lá quando) por seres humanos. Também não é excluir quem quer que seja do
nosso convívio, tampouco condenar ao anonimato as/os socialmente
classificadas/os como “não adequadas/os”. Ao contrário de julgar e padronizar comportamentos, somos chamadas/os para proclamar a libertação que
só Jesus pode dar! Nesta semana aprendi que libertação é a ação da palavra.
Portanto, ao nos chamar para proclamarmos a Sua libertação, Jesus nos convida a
agirmos de forma a promover a liberdade das/os cativa/os nas mais diferentes
prisões em que se encontrem.
A missão para a qual Jesus nos convida é a de continuar
contando a Sua história, vivendo e anunciando as Boas Novas da Sua vida. E para
isso, Eles nos deixou várias instruções. Trago algumas que nos alimentam a
esperança: “Acolham, não julguem. Não olhem nem apontem para o comportamento
dos outros, preocupem-se com os seus próprios e os corrijam. Não se preocupem
com o mundo, eu já o venci. Espalhem amor. Se alguém te magoar, perdoe. Tenham
bom ânimo, acreditem: Eu sou o cordeiro que tira o pecado do mundo!”
De minha parte, eu te acolho, Bela amiga! A você, a sua
companheira, a sua família e a todas/os que se sentirem marginalizadas/os e sem
o necessário apoio para viver e praticar o amor humano. Vamos nos somar para
livrar-nos uns aos outros das culpas e das angústias que o mundo nos impõem.
Não se engane: todos nós somos podados ou praticamos a auto poda para sermos
consideradas/os “normais” ou seja, para agirmos dentro das normas. Umas/uns
sofrem mais, claro, outras/os (como eu), menos. Mas sabemos que Deus não quer
que ninguém viva pela metade. Ao enviar Seu filho Jesus, o Pai quis que
tivéssemos vida em abundância!
Não digo que terei sempre palavras acolhedoras, nem que
saberei agir sempre da melhor forma. Também fui educada para julgar. Mas, se me
quiserem, quero estar com vocês, desconstruindo normas que aprisionam e
denunciando privilégios dos quais poucos possam gozar. Quero estar junto de
vocês, construindo e espalhando o Reino de Deus, aprendendo juntas/os sobre a
liberdade para a qual Jesus nos libertou. Não tenho medo, Deus está nos
guardando, o próprio Cristo segue conosco e é o Espírito Santo quem nos anima e
consola! E sigamos até o fim dos tempos... de opressão.
Daniela Leão Siqueira –
31/05/2019.