terça-feira, 11 de julho de 2023

Ruah – quem é essa pessoa?

 

Recebi um desafio inesperado: responder ao questionamento de quem é a Ruah.

Faço parte de um coletivo feminista, de mulheres cristãs, na maioria evangélicas, que milita desde dentro dos espaços religiosos. Somos um grupo de ativistas e militantes que tenciona e faz enfrentamentos aos discursos e pregações de cunho fundamentalista conservador. Sejam eles proferidos nos púlpitos, em assembleias ou parlamentos.

É desse lugar que estou falando: uma ativista feminista de enfrentamento a uma teologia patriarcal que insiste em manter as mulheres em condição de subalternidade, inferioridade e subordinação. Tudo isso a partir de muitas violências, sejam elas simbólicas, físicas, emocionais, morais, sexuais etc etc etc.

Esclareço uma coisa: não sou teóloga. Meu conhecimento sobre a Ruah é empírico, é pessoal, íntimo, de vivência e (con)vivência. Não tenho conhecimento técnico para argumentar a presença ou até mesmo a existência da Ruah nos textos ou arqueologia bíblicos.

Então, é sobre isso: sobre a minha caminhada pessoal com a Ruah, essa companheira que me entende, me sente, me acompanha, que me gestou e cuida de mim. Em todo o tempo.

No livro de Gênesis, a Ruah estava lá, germinando e gestando a Terra e tudo o que nela há. Nos livros de Salmos, lá está a Ruah descrita como protetora, consoladora, cuidadora, companhia bem presente. Nos livros dos profetas, a presença da Ruah está descrita como aquela que promove transformação social necessária. Em Isaías 61, é a Ruah quem transforma o choro em riso, a tristeza em alegria, a pulsão de morte em vida abundante. No novo testamento, a Ruah é a espírita santa presente em Jesus, de quem emana cura e poder.

Ao longo dos séculos, as tradições patriarcais foram minando o poder da Ruah. Toda a potência ligada ao feminino foi sendo subsumida, apagada e incorporada à figura masculina do deus todo poderoso. O casal divino, tão próprio e inexoravelmente presente no imaginário dos povos antigos, foi sendo apagado e fixado apenas na figura do pai.

Essa é mais uma prática de violência velada a partir das traduções do hebraico: esconder a presença feminina outrora adorada pelos povos originários, agora proibidos de tal adoração.

Então, quem é a Ruah?

A Ruah é a deusa mãe, que um dia desejou germinar a minha vida, com minhas características únicas de personalidade. Gestou-me com um amor jamais alcançado pela humanidade, amamentou-me com uma paciência e perseverança nunca encontradas e percebidas pelos corações humanos. A Ruah conhece e acredita na potência que me concedeu. Caminha ao meu lado com uma companhia inescrutável, desejando que eu exerça a minha potência, a fim de participar da construção de um mundo melhor, mais digno e justo para todas as pessoas.

E mesmo que eu não atinja o meu potencial máximo, a Ruah não desiste de mim, não me deixa pelo caminho. Nunca! Não importa o que eu faça, fale, pense ou sinta: a Ruah me ama, me cuida e jamais desistirá de mim.

Não tenho afinidade com um pai repreensivo e misericordioso. Essas são características violentas de um deus muito próximo ao ser humano incompassível. Não, esse não é o afeto que procuro como divino.

Já a Ruah é Mãe Criadora, cuidadora, apoiadora. Ela é gestante e gestora de vida, de diversidade, de alegria e satisfação. Mesmo que eu não mereça, ela não é misericordiosa, mas bondosa. Seu amor me alcança de forma sublime, seu cuidado, incondicional.

Reconhecer a presença e companhia da Ruah em minha vida é perceber a importância da presença feminina na Criação. É perceber a vida nas pequenas coisas, nos menores detalhes.

Trabalhar lado a lado com a Ruah é reconhecer o valor do afeto feminino no cotidiano, seja no privado da casa ou no público da comuna. É perceber a divindade nas relações mais tênues, mais sutis. Então, trata-se de perceber uma presença que agrega, produz e reproduz vida em abundância a partir do código feminino da existência. É perceber que a mulher tem força de agregação.

Dessa forma, o fundamento feminino na Criação coloca todas nós mulheres, (sejamos cis ou transgênero) no centro da vida, como essenciais. A presença da Ruah nos tira da condição de subalternidade, de submissão, de secundárias.

Caminhar com a Ruah como referência da presença divina dignifica e ressignifica o papel de cada uma de nós no cuidado com a Criação Dela. Nos coloca no centro do cuidado, da luta e da proteção.

Dessa forma, nos tornamos protagonistas no enfrentamento aos discursos fundamentalistas conservadores que violentamente tenta nos afastar para a periferia do debate. Não somos periféricas. Com a Ruah, somos protagonistas. Somos convidadas a agirmos desde o centro, o cerne, o fundamento.

A Ruah nos capacita para esse enfrentamento. Toda a Sua Criação é movimentada para isso: flores, folhas, frutos e animais passam a ser fonte de inspiração e sabedoria para o cuidado. Pessoas passam a ser aliadas nessa jornada. A Ruah transforma concorrência em aliança.

E Jesus é a nova e eterna aliança entre Deus e a Criação. Ele, o Deus que se travestiu de humanidade é a nossa referência de comunhão, amor e cuidado.

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