Recebi um desafio inesperado: responder ao questionamento de quem é a Ruah.
Faço parte de um coletivo
feminista, de mulheres cristãs, na maioria evangélicas, que milita desde dentro
dos espaços religiosos. Somos um grupo de ativistas e militantes que tenciona e
faz enfrentamentos aos discursos e pregações de cunho fundamentalista
conservador. Sejam eles proferidos nos púlpitos, em assembleias ou parlamentos.
É desse lugar que estou
falando: uma ativista feminista de enfrentamento a uma teologia patriarcal que
insiste em manter as mulheres em condição de subalternidade, inferioridade e
subordinação. Tudo isso a partir de muitas violências, sejam elas simbólicas,
físicas, emocionais, morais, sexuais etc etc etc.
Esclareço uma coisa: não sou
teóloga. Meu conhecimento sobre a Ruah é empírico, é pessoal, íntimo, de
vivência e (con)vivência. Não tenho conhecimento técnico para argumentar a
presença ou até mesmo a existência da Ruah nos textos ou arqueologia bíblicos.
Então, é sobre isso: sobre a
minha caminhada pessoal com a Ruah, essa companheira que me entende, me sente,
me acompanha, que me gestou e cuida de mim. Em todo o tempo.
No livro de Gênesis, a Ruah
estava lá, germinando e gestando a Terra e tudo o que nela há. Nos livros de
Salmos, lá está a Ruah descrita como protetora, consoladora, cuidadora,
companhia bem presente. Nos livros dos profetas, a presença da Ruah está
descrita como aquela que promove transformação social necessária. Em Isaías 61,
é a Ruah quem transforma o choro em riso, a tristeza em alegria, a pulsão de
morte em vida abundante. No novo testamento, a Ruah é a espírita santa presente
em Jesus, de quem emana cura e poder.
Ao longo dos séculos, as
tradições patriarcais foram minando o poder da Ruah. Toda a potência ligada ao
feminino foi sendo subsumida, apagada e incorporada à figura masculina do deus
todo poderoso. O casal divino, tão próprio e inexoravelmente presente no
imaginário dos povos antigos, foi sendo apagado e fixado apenas na figura do
pai.
Essa é mais uma prática de
violência velada a partir das traduções do hebraico: esconder a presença
feminina outrora adorada pelos povos originários, agora proibidos de tal
adoração.
Então, quem é a Ruah?
A Ruah é a deusa mãe, que um
dia desejou germinar a minha vida, com minhas características únicas de
personalidade. Gestou-me com um amor jamais alcançado pela humanidade,
amamentou-me com uma paciência e perseverança nunca encontradas e percebidas
pelos corações humanos. A Ruah conhece e acredita na potência que me concedeu.
Caminha ao meu lado com uma companhia inescrutável, desejando que eu exerça a
minha potência, a fim de participar da construção de um mundo melhor, mais
digno e justo para todas as pessoas.
E mesmo que eu não atinja o
meu potencial máximo, a Ruah não desiste de mim, não me deixa pelo caminho.
Nunca! Não importa o que eu faça, fale, pense ou sinta: a Ruah me ama, me cuida
e jamais desistirá de mim.
Não tenho afinidade com um pai
repreensivo e misericordioso. Essas são características violentas de um deus
muito próximo ao ser humano incompassível. Não, esse não é o afeto que procuro
como divino.
Já a Ruah é Mãe Criadora,
cuidadora, apoiadora. Ela é gestante e gestora de vida, de diversidade, de
alegria e satisfação. Mesmo que eu não mereça, ela não é misericordiosa, mas
bondosa. Seu amor me alcança de forma sublime, seu cuidado, incondicional.
Reconhecer a presença e
companhia da Ruah em minha vida é perceber a importância da presença feminina
na Criação. É perceber a vida nas pequenas coisas, nos menores detalhes.
Trabalhar lado a lado com a
Ruah é reconhecer o valor do afeto feminino no cotidiano, seja no privado da
casa ou no público da comuna. É perceber a divindade nas relações mais tênues,
mais sutis. Então, trata-se de perceber uma presença que agrega, produz e
reproduz vida em abundância a partir do código feminino da existência. É
perceber que a mulher tem força de agregação.
Dessa forma, o fundamento
feminino na Criação coloca todas nós mulheres, (sejamos cis ou transgênero) no
centro da vida, como essenciais. A presença da Ruah nos tira da condição de
subalternidade, de submissão, de secundárias.
Caminhar com a Ruah como
referência da presença divina dignifica e ressignifica o papel de cada uma de
nós no cuidado com a Criação Dela. Nos coloca no centro do cuidado, da luta e
da proteção.
Dessa forma, nos tornamos
protagonistas no enfrentamento aos discursos fundamentalistas conservadores que
violentamente tenta nos afastar para a periferia do debate. Não somos
periféricas. Com a Ruah, somos protagonistas. Somos convidadas a agirmos desde
o centro, o cerne, o fundamento.
A Ruah nos capacita para esse
enfrentamento. Toda a Sua Criação é movimentada para isso: flores, folhas,
frutos e animais passam a ser fonte de inspiração e sabedoria para o cuidado. Pessoas
passam a ser aliadas nessa jornada. A Ruah transforma concorrência em aliança.
E Jesus é a nova e eterna
aliança entre Deus e a Criação. Ele, o Deus que se travestiu de humanidade é a
nossa referência de comunhão, amor e cuidado.
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