quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Com a palavra e a liberdade poética, a viúva persistente que convenceu o injusto juiz...


(Lucas 18.1-8)

Sei que Jesus conta a minha história para ajudar as pessoas a perceberam o valor da orAÇÃO, mas também para mostrar que muito diferente daquele injusto juiz, é Deus diante das nossas causas. No entanto, gostaria de me arriscar a contar, por mim mesma, como tudo aconteceu.

Me lembro daquele dia, mal o primeiro raio de sol despontou, eu me despertei. Meus olhos se abriram e as dores no corpo fizeram questão de ratificar que eu viveria mais um dia. Fechei meus olhos, orei, agradeci, pedi forças. Antes de me levantar, rememorei a agenda e constatei que não havia nada de diferente. Era mais um dia para fazer tudo sempre igual.

Entre as tarefas, aquela que mais me cansava ainda estava presente: ir ter com o injusto juiz. Resolvi ir em um horário diferente do que eu já me acostumara, por isso não fui colher figos aquela manhã. Depois de me certificar que ainda havia um pouco de farinha e óleo em casa, resolvi sair sem comer nada. Afinal, ir ter com esse juiz era algo que sempre me embrulhava o estômago.

Pelo caminho, os pés e pernas não se combinavam com as fortes batidas do meu coração e a secura da minha garganta. Ora caminhava rápido, ora bem devagar e em muitos momentos eu pensava se era melhor tomar outro caminho para chegar até lá.

Minha memória já estava fatigada por saber não de cor(coração), mas de pé, o caminho. Meus ouvidos já tinham armazenado as duras palavras daquele homem. Meus olhos conheciam bem seu olhar de desprezo, mas meu coração, esse rebelde sonhador e lutador, não dava a mínima para tudo isso. Ele batia rápido porque sabia que precisava chegar o quanto antes, porque sabia que precisava contaminar a minha razão e encharcar de esperança e força a minha garganta.

Naquele dia, eu o peguei de surpresa por conta do horário, me diverti com isso. O que não era inédito era a minha frase: “julgue a minha causa contra o meu adversário”. No começo do processo eu falava baixo, com educação, leveza e entendimento de que recorria a quem poderia, de fato, me ajudar.

Não obtive ajuda. Pelo contrário, já não tenho em mente a quantidade de vezes que me aproximei para lhe pedir que, simplesmente, fizesse seu trabalho. A falta de empatia daquele homem, seu desrespeito pela lei e pelo princípio divino de proteção à vida, me fizeram aumentar o tom de voz e a voz no tom. Já não falava só para ele, eu precisava gritar para que outras pessoas escutassem o quão surdo era aquele juiz.

Se no começo dos meus protestos eu me encontrava sozinha, depois de tanto gritar já podia ver algumas mulheres saindo às ruas e se aproximando. Outras meio de longe me transmitiam apoio no olhar, mas outras sequer me ouviam. Pude ver homens que identificaram o valor da minha causa e torciam por mim, mas também vi aqueles que faziam questão de dizer para suas mulheres que nunca, jamais, repetissem o meu comportamento.

“eu gritei, eu griTEI, EU GRITEI”, de forma que pude escutar os pensamentos daquele juiz: “como esta viúva fica me incomodando, vou julgar a sua causa para não acontecer que, por fim, venha me bater”. Sei que quem registrou essa história, traduziu o pensamento do juiz de forma mais branda. Ao invés de escrever bater, preferiu usar verbos como molestar, importunar, amolar etc. Coisas que dizem que as mulheres fazem quando se levantam para lutar contra as injustiças. Mas o que realmente e originalmente o juiz falou foi isso: “BATER”.

Ele ficou com medo! Sua iniquidade e viver corrupto o fizeram pensar que eu faria opção de usar as mesmas estratégias que ele. Não! Jamais! Minha voz era muito mais poderosa do que qualquer ato de violência. E naquele momento eu a usava para denunciar os meus dois adversários: o da causa e o do julgamento. Fui embora com a questão resolvida.

De fato, há muito sobre or-Ação nessa história. Minha trôpega caminhada foi se fortalecendo através das minhas preces ao Deus da vida. Ele me fez recordar as mulheres do meu povo que, antes de mim, não se conformaram e lutaram para garantir seus direitos. Meu tom de voz foi assumindo o tom ideal por saber que o Deus que julga com justiça e retidão garantiu a mim, a outras viúvas, órfãs e órfãos, o direito à vida digna e justa.

Quem registrou a minha história fez questão de explicitar a intencionalidade de Jesus, limitando-a ao fato de orar sempre e nunca esmorecer. Nada limita as palavras do Mestre! Por isso me pergunto: Por que Jesus escolheu contar a minha história, a de uma mulher viúva que enfrentou um homem poderoso e fez com que ele mudasse a postura, justamente para falar sobre oração? Jesus tem razão, minha história fala mesmo sobre oração, das que se fazem de olhos fechados e das que se fazem para que os os olhos se abram.

Andreia Fernandes - pastora metodista, doutora em educação

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