quarta-feira, 7 de junho de 2023

Veio o diagnóstico de câncer de alguém que amo. O que eu faço?

Há algum tempo (desde outubro de 2022) que tenho pensado em escrever alguma coisa sobre esse tema. Como tratamos uma pessoa querida que recebeu o diagnóstico de tumor maligno? O que podemos dizer para promover consolo, tanto para ela como para nós mesmas?

Não sei exatamente o que pode ser feito, como uma receita infalível. Posso falar sobre mim, sobre meu diagnóstico de metástase e sobre como eu gostaria de ser alcançada.

Eu gosto de poder colocar açúcar, gelo e cachaça quando a vida se apresenta como um limão a ser consumido. Se não tem jeito, se já está espremido, colocado num copo e eu sou obrigada a ingerir, gosto de transformá-lo em caipirinha. Desce mais fácil e até alegra o momento.

Pois bem. Como eu já disse, não tenho uma receita do que fazer ou falar, mas posso começar compartilhando o que não gosto de ouvir. Quem sabe essa seja uma lista que será ampliada ao longo do tempo (ou não). Mas, se o que vale é viver a intensidade do momento, talvez ela já baste.

Não a leia com ressentimento, pena ou culpa. Leia como se estivesse diante de uma situação da qual não há escapatória, mas que não precisa ser anúncio de fim da linha, de morte, de catástrofe. Leia como se fosse uma possibilidade de enxergar através de outra perspectiva: a vida pode ser engraçada também.

 

O QUE NÃO FALAR PARA UMA PACIENTE ONCOLÓGICA

 

1 – Antes da confirmação do diagnóstico, ainda em fase de pesquisa

“Não coloca isso na cabeça. ”

Filha, deixa eu te dizer uma coisa: não fui eu que coloquei isso aqui não, tá? Foi a natureza que providenciou. Eu não queria estar com um tumor no corpo.

“Não fica preocupada, não há de ser nada. ”

Meu bem, olha só, tenho um caroço que apareceu do nada. Ele já está aí, já é alguma coisa! Não dá pra não ser nada. Inclusive, a chance de ser algo bem ruim é de 50%. Aceite: não tem como não me preocupar. Pode dar ruim. Aliás, pode dar péssimo!

 

2 – Após a confirmação do diagnóstico, com o resultado da biopsia

“Você está bem? ”

Vamos ser realistas? Baby, não estou bem não. Tenho câncer! Oi?

“Não deixa isso te abater. ”

Meu bem, vem cá. Em que lugar do planeta Terra você acha que a notícia de um câncer não vai abater a portadora do tumor? Isso é uma merda gigante com a qual terei que lidar. Sabe-se lá como...

“Você é forte, vai superar. ”

Então... qual academia você acha que forjou minha estrutura física, psíquica e emocional para já estar forte e superar um tumor? Quando foi que me preparei para superar uma condição cujo crescimento não controlo?

Uma constatação importante: inconscientemente, a cultura na qual estamos inseridas nos dá pistas de que coisas ruins não acontecem se formos boazinhas. Especialmente no caso das mulheres. Agora, tenho que lidar com uma condição inexorável: coisas ruins acontecem com quem é ser humano, independentemente do que essa pessoa tenha feito durante a sua vida.

“Eu acho que você...”

Tá bom, agradeço muito você desejar expressar sua opinião, seu desejo incontrolável de contribuir com uma leitura pessoal da situação que se apresenta e blá blá blá. Mas, você não tem que achar nada! A menos que seja a cura.

“Tenha fé. ”

Amém. Deus é natureza, é vida, é diversidade. A Ruah sopra onde, quando e como quer. A vida é urgente, emergente. Transforma-se e recria-se de várias maneiras, independentemente da minha vontade e desejo. Se, por alguma circunstância alheia ao meu controle, uma célula que sofreu alguma mutação se reproduziu e se transformou em algo que não é bom para meu organismo, isso também é parte da vida. Acontece.

A beleza do processo de reprodução da vida, algo que nenhuma pessoa é capaz de replicar, não está no julgamento do que seja bom e perfeito, mas na sequência inabalável da natureza, independentemente do desejo ou da ação humana.

Minha constatação pessoal: a fé deve estar na certeza de que, aconteça o que acontecer, a Criadora e reprodutora da vida não me pune nem abandona. Está comigo, me sustentando nos momentos difíceis, segurando a minha mão e dizendo: a vida é linda, não importa o que aconteça eu amo você. Esteja grata pela experiência que teve até aqui.

 

ACOLHIDA

Se você já disse uma, duas ou todas essas frases a alguém que ama e está com câncer, não se sinta culpada. Eu também já falei. Todas nós falamos. A doença câncer, o assunto tumor que se forma sem nosso controle, ainda são tabus e provocam muito medo. Ainda resistimos naturalizar (tratar como algo próprio da natureza) essa condição. Por isso, não sabemos como lidar com uma notícia tão impactante.

Na minha opinião, uma possível leitura para compreender o impacto que o diagnóstico nos apresenta vem da condição de que, se não podemos controlar, pode ser que um dia nós mesmas estejamos no lugar de portadoras de um tumor maligno. E aí?

Penso que aceitar que “coisas ruins” acontecem o tempo todo com as pessoas, sejam elas alegres ou ranzinzas, introvertidas ou extrovertidas, boas ou más (sob os nossos julgamentos) é um passo importante para quebrar o estigma sobre o câncer.

Minha sugestão é que, se você for impactada com o diagnóstico de alguém que você ama, tenha um tempo para lidar você mesma com a notícia. Reflita que a vulnerabilidade, no momento, não é sobre você, mas sobre a outra pessoa. E que, se ela te contou, quer o seu apoio.

Nesse caso, basta uma resposta simples:

“É uma notícia péssima. Na verdade, é uma merda essa situação. Mas você não está sozinha para passar por isso. Estarei com você. Apenas me diga do que precisa e farei o possível para te ajudar. ”  

E leve gelo e açúcar quando se encontrarem.... talvez a cachaça tenha que esperar!

2 comentários:

  1. Eu te acolho na sua dor, meu Amor... Te Amo de todo o meu coração e para sempre... Amém.
    Ed

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  2. Adorei cada palavra. Traduziu muito bem como nos sentimos pelas frases que, sem querer, as pessoas repassam sem perceber como nos atingem. A doença não é falta de fé nem de força, nem de ser uma pessoa ruim. Não é punição por nada. Simplesmente acontece porque somos falíveis humanos, com nossas imperfeições que não são nada vergonhosas. Mas reias.
    Um beijo bem grande minha querida. Te acolho na sua dor porque eu também precisei ser acolhida na minha. Da tristeza, os caminhos possíveis podem surgir.

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