quarta-feira, 14 de junho de 2023

Você já brigou com o seu cérebro? Que doido, né?

Estou perguntando porque ontem foi a primeira vez que me dei conta real de que eu estava fazendo isso: brigando com o meu cérebro.

Deixa eu contar essa experiência.

Há uns 15 dias descobri que estou com três tumores de adenocarcinoma moderadamente diferenciado no pescoço. Parece mentira, mas é verdade: o câncer que tive no intestino gerou metástase no pescoço. Mais precisamente na região cervical esquerda. Estou olhando para o laudo agora.

Diferentemente da primeira vez que eu não precisei fazer quimioterapia, nem radioterapia porque a cirurgia retirou todo o tumor e não houve comprometimento dos linfonodos ao redor, agora a metástase merece mais atenção: como disse a médica de cabeça e pescoço (que não é oncologista) trata-se de algo sistêmico. Não é episódico. Lá vai eu de volta ao oncologista.

O que significa essa atenção? No momento, eu poderia definir como: esperar. Esperar outros exames, outra consulta, outro especialista, algum tratamento. Esperar, esperar, esperar. Você conhece algo mais difícil do que esperar pra saber o que vai acontecer?

É assim que começa minha briga com meu cérebro: diante da espera dos acontecimentos.

Ontem eu estava indo para uma consulta com a coloproctologista para acompanhar os efeitos da cirurgia para retirada do tumor que me levou 15 centímetros do intestino, na região do reto. O nome científico é sigmoidectomia. Tudo nome bonito e fácil...

No caminho, o trânsito estava pesado. Era hora do rush em SP. Eu estava pensando em quantos apartamentos têm em cada prédio naquele Centro. E quantas pessoas moram em cada apartamento. E quantas histórias têm cada pessoa. Imaginando a quantidade de histórias que cada prédio guarda. Jesus, é um número infinito!

Eis que daí meu cérebro achou que seria uma boa apresentar pra mim as minhas histórias. As boas, divertidas ou de superação? Não. Meu cérebro achou que tinha que passar o filme dos piores momentos da minha vida.

E eu não percebi isso. Fiquei, literalmente, sentada, assistindo o filme. Mas eu não só assistia, participava também. E revivia todas as emoções que aqueles momentos me causaram: angústia, dor, raiva, tristeza, medo, arrependimento...

Se é verdade o que nos propõe o filme Divertidamente, estava acontecendo uma briga entre as emoções para assumirem o controle dos meus pensamentos e tudo estava vindo à tona. Menos a alegria...

De repente, abriu-se um portal que me levou para outra dimensão. Eu estava revivendo, de uma só vez, todas aquelas situações que estavam guardadas (eu sei lá onde!). E não, eu não estava dormindo.

Acho que foi o exercício de empatia com as dores de tantas pessoas, guardadas por tantos prédios pelos quais passei, que me conectou com as minhas próprias dores. Tanto com as sofridas, quanto com as provocadas.

A menina que fez coisas de criança, levou bronca, caiu, se machucou; a adolescente que fez coisas de adolescentes, que sofreu coisas de adolescentes, mas passou com muita dignidade por essa fase chatérrima; a jovem que foi forte quando precisou ser, que combateu o que precisou combater e venceu o que foi possível vencer...

Mas não foram só as Danis que vieram à minha memória. Sei lá como, mas as pessoas envolvidas também apareceram, também estiveram presentes. Pessoas que eu pensei ter esquecido, superado, perdoado. Estavam lá, presentes, refazendo as cenas vividas.

Credo! Pareceu uma fossa aberta, cheia de cocô boiando. Foi essa a imagem que me apareceu quando eu perguntei pra mim mesma o que era aquilo, no início da briga com o meu cérebro.

Deixa eu te perguntar uma coisa: você já viu uma fossa aberta? Eu já. Depois que passa o impacto do nojo, você cai na real de que tudo o que tem ali faz parte da natureza e que você contribuiu para aquela condição. De alguma forma, você fez e é parte daquilo também.

Daí é muito doido, porque talvez você queira tentar identificar o seu cocô. Tenho um stand up muito engraçado sobre "a fossa da casa na praia", mas hoje estou falando de tristeza, de briga e enfrentamento. Hoje é a raiva que está no controle das emoções.

Mas é que a alegria insiste em assumir... Uma disputa típica de Danis. O famoso: quem me conhece, sabe.

Então, eu briguei com o meu cérebro. Claro, depois de ter brigado com o meu marido, que me acompanhava no carro. Como sempre, ele estava ao volante.

Diante da minha mudez externa, meu lindo tentou me contar alguma coisa de alguma época que esteve em algum lugar ali perto, por onde estávamos passando. Acontece que no momento em que ele me chamou para realidade, eu estava fantasmagoricamente num tempo e espaço mental diferente do dele.

Eu estava travando uma disputa com pessoas, dores, angústias e medo entre os 20 e 30 anos de idade. Ainda imatura, muito jovem. Tanta coisa que eu faria diferente agora... E foi essa Dani que deu uma reposta que pareceu tão doida, agressiva, totalmente fora do contexto. Do contexto dele. Meu lindo se calou.

Foi então que comecei a brigar com o meu cérebro. Peraí! O que você está fazendo? Do nada você me vem com essas cenas, essas lembranças de pessoas que eu já nem lembrava mais... o que você está fazendo?

Acredite: eu estava tratando o meu cérebro como uma pessoa externa a mim, como alguém responsável por aquela situação. Eu disse: pare já com isso! Eu não admito que você venha aumentar o meu sofrimento. E agora ainda briguei com a única pessoa que está 24 horas por dia ao meu lado nessa etapa difícil!

Olha... vou te dar uma dica: brigue com o seu cérebro: É LIBERTADOR!

Ah... fica com essa coisa chata de ficar trazendo situações e pessoas já superadas. Ficar revivendo na nossa cabeça cenas traumatizantes, colocando no meu corpo emoções que não quero mais (re)sentir. Pára!!! Pára de ficar me fazendo sofrer!

Ficar me jogando pensamentos como:

“ Ah, você tem câncer. ”

Tenho. Infelizmente tenho. Mas não preciso sofrer só porque tenho um tumor. Tudo bem, no meu caso são três. Mas e daí?

“Ah, mas você nem está se cuidando direito. ”

Não tenho o que fazer no momento. Agora, tenho que esperar os resultados, as consultas, os médicos a vida, sei lá,  para iniciar o tratamento.

“Ah, mas você nem está preocupada. Vai que é grave e você não está ligando. ”

Minha preocupação não vai mudar uma vírgula na minha condição. Zero. Nada!

Então, fica quieto! Pára de tentar piorar as coisas pra mim. Pára com esse negócio de ficar me trazendo tudo o que eu senti no passado. Pára de me conectar com pessoas, dores, mágoas, sofrimentos, angústias, arrependimentos que já não servem pra mais nada... Agora preciso estar limpa, desobstruída para poder lidar com as novas emoções que surgirão a partir das novas situações pelas quais irei passar.

Voltando à história da fossa, o rapaz chamado para solucionar o problema descobriu rapidinho o que aconteceu: foi a raiz de uma árvore do quintal vizinho que estava crescendo em busca de água limpa. E pasmem: quase alcançou o vaso sanitário! Olha a alegria querendo voltar com uma gargalhada...

Ele já tinha visto isso acontecer outras vezes. Então foi fácil: cortou a parte da raiz (do problema) e usou uma máquina de pressão que desobstruiu a passagem dos dejetos.

Se a minha metáfora estiver valendo, acho que usei a máquina na minha mente. Sinto que desobstrui o que estava impedindo a passagem do que considero dejeto: o que não gosto de ver, nem de sentir, mas que, se eu ajudei a fazer, deixa lá, fazendo parte, mas sem sentir nojo, nem medo nem raiva nem nada. Deixa lá só fazendo parte. Como disse minha amiga, deixemos a fossa fossilizar para parar de feder.

Tomara que tenha conseguido cortar a raiz também!

Olhando de fora (como olhei a fossa), não posso me livrar dessa realidade: ajudei a construir minha história. Sim, tem dor, mágoa, sofrimento, angústia, arrependimento. Mas.... a maior parte do caminho é de amor, amizade, riso, conquista, vitória e muita, mas muita alegria. Trazendo de volta as histórias que os prédios guardam, certeza de que também terão infinitas memórias assim.

Cérebro, não se esqueça: HÁ ALEGRIA E FELICIDADE NA VIDA! Apesar de...

Se a vida começa aos 40, sou uma adulta criança. Tenho apenas 5 anos de adultice. Minha história me trouxe até aqui e gosto de quem sou, do que eu fiz com e das conquistas que aconteceram comigo.

Fora isso, é filme de terror que não quero assistir. Não gosto, não me faz bem.

Então, que venham mais brigas com o meu cérebro se ele vier de novo com esse roteiro. Quero poder escolher as cenas dos próximos capítulos...

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