Conversando hoje com meu marido sobre o início do meu tratamento amanhã, fiz a seguinte analogia: estou pronta para iniciar a escalada de uma montanha. Achei interessante ter essa sensação: estar preparada para começar a jornada de subida.
Quem me acompanhou até aqui através dos meus textos, sabe
do meu preparo emocional para o tratamento quimioterápico. Foram vários embates
para alcançar certa estabilidade.
Iniciei com uma reflexão a cerca de frases que comecei a ouvir. Algumas me fizeram sentir culpa outras, responsabilidade demais. Foi interessante pensar em cada uma e oferecer uma resposta. Nem que seja pra mim mesma.
Depois, veio a briga com o meu cérebro que, quase que por magia,
me puxou para um portal de acesso ao passado. Fiquei como que de frente para
meus medos, tristezas e arrependimentos. Diante do sofrimento, fui obrigada a
desobstruir meu cérebro, limpando essa fossa pela qual também tenho
responsabilidade.
Após fazer as pazes com o meu passado, foi a vez do futuro
me assombrar. Muitas inseguranças me assustaram e me deixaram sem esperança. Sem
esperança de um futuro promissor, tanto para mim, quanto para meu filho e minha
filha.
Diante da falta de esperança, eis que a pulsão de vida se
impôs e trouxe tudo novamente aos trilhos. Mesmo que sejam trilhos novos,
caminhos muito diferentes para mim, a fé colocou minha locomotiva novamente em
movimento. Dessa vez, com a caldeira mais fria, com menos chance de explosão e maior aceitação da vida como ela é.
Passado e futuro viabilizados, foi a vez de organizar o
presente. Lidar com a nova situação que se apresenta nesse momento, dentro de
casa, na vida que se vive no exato instante em que os acontecimentos se fazem realidade. E foi diante de 150 mil pessoas que os Titãs me disseram: não se
importe tanto com os problemas pequenos da vida, você pode (e vai) se arrepender um dia. Então,
o cotidiano ficou mais leve, menos tenso, mais prazeroso.
Passado, presente e futuro aceitos, foi o tempo de colocar
a minha vida em ordem. Minha vida, meu corpo e a forma como me coloco no mundo.
Como me enxergo, me entrego, me movimento, faço parte. Foi importante me livrar
da condição de altruísta. Decisivo aprender a ser assertiva. Foi essencial aprender que atender minhas
necessidades e meus desejos (a minha essência) devem ser prioridade na hora de escolher quais lutas quero e posso travar.
Como é fundamental conhecer-se e gostar de si
mesma. Ainda estou aprendendo, mas sinto que dei um passo importante nesse
processo. Aceitar quem sou, com minhas potências e fragilidades foi decisivo nesses
dias de reflexões e organização das “gavetas emocionais”.
Identificar que o corpo precisa de cuidado não é fácil. Perceber-se
em marcha lenta, com o "peso do mundo" nas costas é muito desconfortável. Mas também pode
ser importante para preparar-se para um novo tempo, com um novo modo de ser, estar
e se relacionar com o mundo.
Daí a importância da fé. Acreditar que, aconteça o que
acontecer, não estou sendo punida por alguma coisa errada que fiz nem tenho responsabilidade sobre a doença que me acometeu. Perceber a
presença da Criadora da vida (e da minha vida) nos mínimos detalhes, nas mínimas
criaturas é fundamental para esperançar. Esperança numa vida mais fortalecida,
mais saudável, mais livre. Não somente para mim, mas para todas as pessoas. Perceber
e tentar descrever a presença da Ruah nesses dias de limpeza emocional
foi emocionante e revigorante.
Por fim, estou diante da montanha. Não tenho escolha: sou
obrigada a escalá-la. Como eu já disse, imaginar que o tratamento de quimioterapia para enfrentar
os adenocarcinomas que estão se multiplicando pelo meu corpo apresenta-se pra mim, neste momento, como uma montanha foi uma boa
analogia.
Sempre tive medo de escaladas. Só em pensar, tinha (e ainda tenho) arrepio.
Frio, chuva, sol, calor, sede, fome, suor, cansaço, exaustão. Dores. Muitas dores. Tudo isso
junto e misturado. Saber que viverei esses sintomas nos episódios desta série que está por começar, é intimidante. Serie essa que espero, mesmo, que tenha apenas uma temporada.
Agora, me vejo checando as malas para me apresentar ao guia
da jornada. Não tenho escolha. Preciso passar por isso.
A boa notícia é que estou firme. Todos os exercícios dos
últimos 30 dias me fortaleceram e me firmaram minhas pernas e pés. Eu vou com a coluna ereta.
Sei que não estarei sozinha. Sou privilegiada e constantemente acompanhada de pessoas que amo e me amam de volta: meu companheiro
de vida, minha filha, meu filho e a namorada dele. Minha mãe e meu pai. Minha
sobrinha, minha irmã e o namorado dela. Minhas primas. Minha sogra, meu sogro, minha cunhada,
meu cunhado e minha co-cunhada. E tem minhas amigas. Olha só quanta gente para
estar comigo enquanto escalo! Fora as outras pessoas que encontrarei pelo
caminho. Só tenho que agradecer a Ruah por tanta companhia.
Há também os testemunhos. Outras pessoas fizeram o mesmo
percurso e chegaram do outro lado. É nisso que focarei nos
próximos capítulos que serão escritos, passo a passo, cena a cena.
E há também os relatos da segurança da trilha. Serão várias
paradas, com estrutura para cada necessidade que se apresentar, para cada emergência que aparecer pelo caminho.
Então, é sobre isso. Vamos subir. Escalar, ascender,
elevar, galgar, levantar, sublevar. Todos verbos sinônimos de atravessar a montanha. Obrigada
pela companhia, seja qual for a distância que você conseguir percorrer comigo.